Os três anos de atraso para o lançamento de “Pelé, o Nascimento e uma lenda” causaram grande expectativa aos amantes do futebol, pouco acostumados a ver o esporte retratado na telona. Previsto para estrear antes da Copa do Mundo de 2014, o longa metragem só chegou aos cinemas na última quinta-feira, em um circuito tímido, que conta com apenas três salas de projeção. A produção americana realizada no Brasil produz desconfortos ao público. O principal deles é o idioma: é estranho ver a cinebiografia do brasileiro mais famoso do planeta, totalmente ambientada no país, com personagens brasileiros falando em inglês e com legendas em português. Até porque o Atleta do Século nunca foi reconhecido pela qualidade com que se expressa na língua de Shakespeare.
Quem conhece o futebol do Rio de Janeiro reconhecerá diversos de seus templos utilizados na trama. O Ítalo del Cima, do Campo Grande, se transforma na Vila Belmiro, onde Pelé dá seus primeiros passos vacilantes no futebol até se reconciliar com sua vocação para o jogo insinuante. O Santos chega a treinar no Luso-Brasileiro, na Ilha do Governador. A preparação da seleção brasileira para a Copa do Mundo de 1958, com o elenco já na Suécia, acontece em Moça Bonita. O Giulite Coutinho, do America, se transforma no Rasunda, palco da decisão do mundial, onde a anfritriã foi goleada por 5 a 2, com direito a uma atuação de gala do personagem-título.
A trama joga luzes sobre o Mundial de 1958 e, pelo caráter biográfico, acaba por supervalorizar a participação de Pelé na competição. O Rei do Futebol é tratado durante boa parte do filme como o astro solitário que conduziu a seleção brasileira a seu primeiro título mundial, sob a pesada sombra do fracasso de 1950. Uma distorção da realidade, bem diferente: um time de qualidade e talento imensos oferecia toda a condição necessária para que um jovem de 17 anos pudesse entrar com segurança para mostrar sua técnica e brilhar contra as principais seleções do planeta.
Uma história forte e arrebatadora como a de Pelé perde força também pela falta de carisma e identidade dos personagens: não há por quem se envolver e até mesmo Mazzola, que ensaia um papel de vilão ao disputar posição com o Rei, perde força em um desfecho que parece destinado a promover os ideais de democracia racial a qualquer custo. O próprio Pelé faz uma breve e inusitada participação especial, no único momento surpreendente do longa, quando contracena com seu personagem no lobby do hotel onde a seleção brasileira está concentrada.
Com tantos problemas, a obra deve colecionar críticas e atrair poucos corajosos às salas de projeção. Parte da crise de identidade da obra se deve à opção pela cinebiografia, em detrimento do documentário, sem investimento pesado na dramaturgia. Teria sido melhor fazer outro filme.
“Pelé, o Nascimento de uma lenda” encerra ainda uma das melhores piadas do cinema brasileiro: a frase “Teria sido melhor ir ver o filme do Pelé”, dita em um episódio do seriado mexicano Chaves, exibido há décadas pelo SBT. Na versão original, Roberto Bolaños diz: “Teria sido melhor ir ver o filme El Chanfle”, para promover o longa-metragem do qual participa. Mas como a obra não foi lançada no Brasil, a dublagem adaptou a fala, como fez também no episódio em que todos vão à praia. Na ocasião, o balneário de Acapulco foi traduzido como Guarujá.
ONDE VER
Cinépolis Lagoon: 16h15 e 18h45.
Avenida Borges de Medeiros 1424, Leblon, Rio. Tel.: 2529-6475.
Centro Petrobras de Cinema: 14h30 e 21h10.
Avenida Visconde de Rio Branco 880, São Domingos, Niterói. Tel.: 3604-1445.
Cine Espaço Boulevard São Gonçalo: 17h30, 19h40 e 21h40.
Avenida Presidente Kennedy 425, São Gonçalo. Tel.: 3611-7989.